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Título
original: Nemesis Autor:
Philip Roth Tradutor:
Jorio Dauster Editora:
TAG/Companhia das Letras Edição:
s/n Copyright:
2010 ISBN:
978-65-5921-027-5 Origem:
EUA Gênero
Literário: Romance |
Philip Roth, escritor norte-americano,
nasceu na cidade de Newark, Nova Jersey, em 19/03/1933 e faleceu em 22/05/2018.
Foi não só um dos maiores escritores dos Estados Unidos, como também elogiado pelo
famoso crítico literário Harold Bloom, como “o maior contador de histórias americano
depois de Faulkner”. Roth é um colecionador de prêmios literários ao longo de
sua carreira.
Autor de obras
como Pastoral Americana, O Animal Agonizante, O Complexo de Portnoy,
Casei com Uma Comunista, Nêmesis, etc. sua temática aborda a questão
do desejo sexual e sua autocompreensão – tema de forte presença em O
Complexo de Portnoy. Creio não ser demais afirmar que a marca registrada de
seu estilo é o monólogo interior.
Nêmesis tem
como ambiência os anos da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente, a entrada
dos Estados Unidos no referido conflito, quando a base americana no Oceano
Pacífico, Pearl Harbour, é atacada pelos japoneses.
Mas esta
referência permanece como um pano de fundo, pois o drama mais importante para o
romance é a epidemia de poliomielite que, fora de controle, ataca a cidade de
Newark. De repente, ainda sem a compreensão da sociedade, as pessoas começam a
adoecer, apresentando febre, dor muscular pelo corpo todo e uma paralisia que
pode levar à morte:
“O primeiro caso de poliomielite naquele verão foi registrado no começo de junho, logo depois do Memorial Day, feriado que marca o começo da estação, num bairro pobre de italianos do outro lado da cidade. Ali onde morávamos, numa área do sudoeste chamada Weequahic e ocupada por judeus, nada soubemos sobre isso nem sobre os outros doze casos espalhados por quase toda Newark e mais distantes da nossa vizinhança. Só por volta do feriado de Quatro de Julho, quando quarenta ocorrências já haviam sido registradas na cidade, apareceu na primeira página do jornal vespertino um artigo intitulado “Autoridade médica alerta os pais contra a poliomielite”, no qual o dr. William Kittell, superintendente do Conselho de Saúde, orientava os pais a observarem de perto sus filhos e a contatarem um médico se qualquer criança apresentasse sintomas tais como dor de cabeça, garganta inflamada, enjoo, pescoço enrijecido, dor nas articulações ou febre.” (página 11)
O protagonista
Buck Cantor é um professor de educação física e trabalha na escola da avenida
Chancellor. Naquele ano, o sr. Cantor acumula, ainda a função de fiscal de
pátio do recreio, ou seja, supervisiona os alunos durante o intervalo oficial
das aulas. Buck tem seu próprio drama com que lidar.
Por conta da sua
avançada miopia, não foi aceito para ir defender os Estados Unidos na guerra
mundial. Também devido a sua baixa estatura, nunca foi aceito como atleta nas
universidades americanas. Estas duas limitações são, para ele, motivos de autodepreciação.
E, sem avisos, após
um entrevero com alguns italianos, enfrentados pelo sr. Cantor, dois dos seus
alunos adoecem:
“Alguns dias mais tarde, não aparecera para jogar dois dos meninos que estava no pátio quando os italianos vieram. Pela manhã, ambos haviam acordado com febre alta e o pescoço enrijecido, e já na noite seguinte – tendo perdido gradualmente a força nos braços e pernas e respirando com dificuldade – foram levados às pressas de ambulância para o hospital.” (página 22)
Vários alunos
adoecem repentinamente; alguns têm de ficar numa vida vegetativa em pulmões de
aço – máquinas destinadas a aliviar o esforço de respiração.
O sr. Cantor mora
com a avó e, como é muito correto em tudo o que faz, cuida muito bem da
velhinha. A idosa tem problemas cardíacos, o que lhe rende dores no peito quando
faz algum esforço.
Numa epidemia
assim – basta nos lembrarmos da recente pandemia de COVID-19 – teorias sem
qualquer fundamentação se espalham: são os italianos que levaram essa doença
para os EUA, são os judeus, ela se transmite pelo toque, pela respiração, pelo
calor tórrido que varre Newark, etc.
Buck tem uma namorada
que trabalha em local afastado dali e usa de todos os recursos de convencimento
para fazer com que o namorado saia de Newark e vá trabalhar no mesmo local que
ela:
“Tenho uma coisa para te dizer. Uma notícia sensacional’, disse Márcia. “O Irv Schlanger foi convocado. Vai embora da colônia. Precisam de um substituto. Precisam desesperadamente de quem tome conta dos esportes aquáticos durante o resto das férias. Falei com o senhor Blomback sobre você, dei todas as suas credenciais e ele quer te contratar sem nem fazer uma entrevista.” (página 66)
Buck alega que já
tem um emprego. Sente-se mal por “trair” seus alunos, abandonando-os ao aceitar
o novo emprego. E ela, convincente:
“Você ia ser um diretor aquático sensacional. Todo mundo aqui ia te adorar. Você é um nadador excelente, um saltador excelente e um professor excelente. Ah, Bucky, é uma chance única na vida. E”, ela disse, baixando a voz, “poderíamos ficar sozinhos aqui. Há uma ilha no lago. Podíamos ir de canoa para lá à noite, depois que as luzes são apagadas. Não teríamos que nos preocupar com sua avó, com os meus pais ou com as minhas irmãs espionando pela casa. Poderíamos finalmente ficar sozinhos.” (página 67)
Cantor acaba
convencido e parte para a nova vida. A colônia de férias fica nas montanhas, o
ar é saudável, o lugar é bonito. Entretanto, a consciência do protagonista
nunca o deixa em paz. As coisas não saem como planeja o casal apaixonado, mas
não posso dizer o que acontece, para não estragar sua leitura, meu caríssimo
leitor ou leitora.
Nêmesis
coloca um cenário de epidemia de poliomielite permeado por notícias da guerra
na Europa, que chegam; de fato, foram concomitantes, o presidente dos EUA à
época
Frank Delano
Roosevelt, tornar-se a vítima mais famosa da pólio.
Quando um
escritor do calibre de Philip Roth elabora uma trama dessas, suas escolhas não
serão gratuitas ou só porque os fatos foram concomitantes; os homens morrem nas
guerras em que se metem e, paralelamente, são mortos por uma epidemia que não
planejaram.
E, o que serve a
essa sincronicidade proposital do autor, o sr. Buck Cantor admite a existência de
Deus, mas rebela-se contra ele. Como pode existir um Deus que mata seus
próprios filhos? E, ainda mais, mata crianças de um modo indiscriminado? Certamente,
não pode ser a divindade onisciente, onipresente e onipotente, toda amor, que
lhe ensinaram nas aulas de catecismo.
A culpa sentida
por Buck por abandonar seus alunos à própria sorte, como se sua presença
pudesse mudar o rumo dos acontecimentos, suas autocondenações, fazem lembrar os
atormentados personagens de Dostoiévski.
Nêmesis
discute esta questão da culpa autoimposta. O sujeito que não se perdoa, e o que
é pior – o sujeito que elabora uma culpa para si, quando ele é tão vítima
quanto todos os outros –, este sujeito, qual futuro terá? A culpa carregada
pelo resto da vida infelicita a própria vida. Pois, para Buck Cantor, ele se
transformou num vetor da poliomielite, um elemento de contágio.
Na conversa com
um de seus ex-alunos, que agora se tornou seu amigo, há interessantes digressões.
A concepção de Deus, manifestada por Cantor é uma dessas:
“Para minha mente ateísta, propor um tal Deus sem dúvida não era mais ridículo do que dar crédito às divindades adoradas por bilhões de pessoas. Já a rebelião de Bucky contra Ele me parecia absurda simplesmente porque não era necessária. Bucky não conseguia aceitar que a epidemia que atingiu as crianças de Weequahic e as crianças de Indian Hill fora uma tragédia. Ele precisava converter a tragédia em culpa. Precisava encontrar uma necessidade para o que ocorria. Há uma epidemia e Bucky necessita de uma razão para ela.” (página 187)
Ao contrapor seu
amigo Arnold Mesnikoff (curiosa a aproximação fonética deste sobrenome com
Raskolnikof, não?), acometido pela doença, portador de sequelas, cadeirante, ao
protagonista Buck Cantor, o autor nos coloca: a maneira de pensar do seu personagem
principal não é a única válida. Há outras. Apesar das desgraças, você pode
optar por vencê-las e construir uma vida tão feliz quanto possível, ou, ao
contrário, deixar-se abater, fazer más escolhas em função da culpa, terminando
por boicotar a felicidade ainda possível.
Recomendo de modo
enfático este Nêmesis. Philip Roth é um baita romancista.