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sexta-feira, 29 de março de 2013

Resenha nº 26 - O Animal Agonizante, de Philip Roth

Tomei contato com a história do personagem David Kepesh por meio do filme de Isabel Coixet, Fatal (em inglês, Elegy). Fiquei com uma boa impressão do filme, embora tenha lido algumas coisas que o depreciavam. Resguardei-me, entretanto; não queria “embarcar” em opiniões diversas, sem ter formado a minha. Aguardei a compra e leitura do livro O Animal Agonizante, de Philip Roth, que deu origem ao filme. Gostei do livro, mantive minha boa impressão do filme. A crítica, mesmo a mais especializada e competente, é sempre uma opinião com a qual podemos ou não concordar. E tenho muito cuidado ao comparar literatura a cinema. Bons livros nem sempre dão bons filmes, ou vice-versa. As linguagens, sendo muito diferentes, têm de ser adaptadas.

Assim, as longas digressões de David Kepesh sobre o sexo não caberiam em um filme. Não por serem sobre sexo, mas por serem digressões longas. No livro, funcionam muito bem, ainda mais temperadas com a ironia philipiana. Podemos recortar da obra literária dois temas, que correm pela história, entrelaçados: a sexualidade como realização plena do homem e a inexorável caminhada para a velhice (leia-se morte). As pulsões freudianas de Eros (criação) e Tanatos (destruição).

O protagonista David Kepesh é um professor universitário, já sessentão e meio aposentado; apresenta um programa cultural na televisão e leciona um curso de literatura por ano. Anteriormente criado por Roth, surgiu em O Seio, 1973, de uma maneira um tanto kafkiana, pois, apareceu como um professor jovem de literatura, transformado num imenso seio feminino; reapareceu quatro anos depois, em O professor de desejo, dentro de um contexto realístico, mais característico de Philip.

O curso dado pelo protagonista sempre termina com uma festa em seu apartamento, invariavelmente com uma aluna bonita em sua cama:

“Eu a conheci há oito anos. Era minha aluna. Não sou mais professor em horário integral, não sou mais professor de literatura no sentido estrito – há anos que só dou o mesmo curso para uma turma grande de alunos do último período, sobre crítica, chamado Crítica Prática. Muitos dos alunos são do sexo feminino. Por dois motivos: porque é um tema com uma combinação atraente de glamour intelectual e glamour jornalístico, e porque elas me conhecem de me ouvirem fazendo resenhas de livros na rádio educativa, ou então de me verem no canal 13 falando sobre cultura. Nos últimos quinze anos, minha atuação como crítico de cultura televisivo fez com que eu me tornasse uma figura razoavelmente conhecida na cidade, e é isso que atrai garotas para o meu curso.” (página 9)

Para ele, elas são mais um objeto de contemplação estética a ser desfrutado, assim como as sonatas de Beethoven. Entretanto, conhece a linda aluna cubana Consuela Castillo e é inexoravelmente arrastado para um tipo de relacionamento que ele julgava eliminado de sua vida.

A cubana Castillo lhe parece irresistível:

“Já se vão oito anos – eu já estava com sessenta  e dois anos, e a garota, que se chama Consuela Castillo, tinha vinte e quatro. Ela não é como as outras da turma. Não é uma pós-adolescente, não é uma dessas garotas desmazeladas, tronchas, que dizem “tipo assim” cada vez que abrem a boca. Ela fala bem, é equilibrada, tem uma postura perfeita – parece saber alguma coisa a respeito da vida adulta, além de saber se sentar, ficar em pé e andar. Assim que você entra na sala, percebe que essa garota sabe mais, ou então quer saber mais. A maneira como ela se veste. Não é exatamente o que se chama de chique, ela com certeza não se veste de modo exagerado, mas, para começar, nunca usa jeans, nem passado nem amassado […] O cabelo é negro, bem negro, lustroso, um pouco grosso. E ela é grande. Um mulherão grande. A blusa de seda está desabotoada até o terceiro botão, de modo que dá para ver que ela tem seios poderosos, lindos, imediatamente você afunda neles.” (páginas 10/11)

Pouco a pouco, como se disse, o relacionamento com Consuela torna-se algo muito profundo, trazendo, inevitavelmente, uma crise para o velho professor.

Roth tem um estilo objetivo, sem rodeios ou floreios e são muito questionadores os trechos nos quais sua criatura, David Kepesh, filosofa sobre a vida, com sua experiência de crítico literário:

“O mais belo dos contos de fada da infância é que tudo acontece na ordem certa. Nossos avós morrem muito antes de nossos pais, e nossos pais morrem muito antes de nós. Os que têm sorte acabam tendo mesmo essa experiência, as pessoas vão envelhecendo e morrendo na ordem certa, de modo que, no enterro, você aplaca sua dor pensando que aquela pessoa teve uma longa vida. Nem por isso a morte se torna uma coisa menos monstruosa, mas é esse o truque que utlizamos para manter intacta a ilusão metronômica, e para afastar de nós a tortura do tempo: “Fulano teve uma vida longa”. (página 122)

No filme, a diretora espanhola Isabel Coixet centra suas lentes no segundo tema, o da caminhada inexorável para a velhice. Talvez essa escolha tenha sido feita por uma questão de repúdio feminino na abordagem de cenas meramente sexuais, pura suposição minha. O filme se realiza menos agônico, mas ainda assim, tristíssimo. Toca-nos a história contada por Ben Kingsley, no papel de David Kepesh e Penelope Cruz, no de Consuela Castillo.

O Animal Agonizante é um texto que revela a mão segura de um grande escritor. Novela em monólogo quase o tempo todo, em mãos menos talentosas poderia resultar em algo chato, monótono. Muito recomendo a leitura dessa obra.

Philip Roth. O Animal Agonizante. Companhia Das Letras. São Paulo, SP: 2201, 5ª reimpressão, tradução de Paulo Henriques Britto. 127 páginas.

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