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segunda-feira, 7 de abril de 2014

Resenha nº 35 - Cavalo de Troia 3 – Saidan, de J. J. Benítez

Neste volume, J. J. Benítez continua a saga do Major Jasão. São 144 páginas antes de entrar, propriamente, no diário. Benítez, como no volume 2 (já resenhado neste blog), deve decifrar outro enigma. São chaves criadas pelo Major para certificar-se da segurança dos seus documentos. Se eles caíssem em mãos erradas, a história poderia ser adulterada ou nem mesmo ser publicada.

O enigma leva nosso escritor por várias cidades, tentando atribuir significado às estranhas frases, pistas para o encontro desta terceira parte do relato. São várias peripécias, em que J. J. terá sua dedicação e acuidade mental posta à prova.

Por este terceiro volume se entende por que, afinal, a série Cavalo de Troia é abominada pela igreja católica. As revelações sobre Jesus são bombásticas, configurando-se contra os dogmas da grande religião do ocidente. Entretanto (ou, talvez, o que é pior, muito pior para os dogmatistas), a figura do mestre mostra uma profunda coerência, revela-se uma doce e segura harmonia, mesmo fora do que afirmam os evangelistas.

Como sempre, Jasão é que faz as incursões pelos tempos de Jesus, enquanto o fiel escudeiro Eliseu lhe dá suporte a partir do módulo de transporte. E o major constata não três aparições do mestre ressurrecto, mas várias. De algumas, ouve falar, não estando presente.  Pessoas comentam, os apóstolos anunciam o aparecimento dele em vários locais.

O livro tem trechos extremamente interessantes, mas os que mais me tocaram foram aqueles compreendidos entre as páginas 290 a 329 e entre 330 a 363. Mas é preciso antes uma explicação fundamental para as conclusões a que chega o cético Eliseu. Jasão conta com um equipamento de alta tecnologia, disfarçado em cajado, a que ele dá o nome de “Vara de Moisés”. O instrumento conta com câmara digital e emissor de ultrassom de altíssimos recursos. É com toda essa parafernália eletrônica que são feitas descobertas fantásticas a respeito do tal “Corpo Glorioso” do nazareno.

Entretanto, não são tais revelações que me sensibilizaram; as palavras do rabi, na conversa com Jasão (páginas 290 a 329) e, depois, com Eliseu (páginas 330 a 363) é que são de uma lógica e coerência instigante. Sim, pois dos evangelhos ecoam as palavras de Jesus Cristo: “eu não vim derrogar a lei”.

Às margens do Lago Tiberíades, Jasão deita-se para descansar. Entrementes, antes do amanhecer, ele percebe uma luz que se desloca no céu. Seus sentidos treinados lhe apontam tratar-se de um artefato voador; sua lógica não aceita tal fato, pois, em pleno século I, não seria possível haver aparelhos voadores, nem alguém com conhecimento e experiência suficiente para operá-los.

Percebe um vulto a caminhar pela praia. Aos poucos, o medo irracional toma conta do pobre major: reconhece a estatura, a figura do Mestre. Descontrola-se de pavor, termina preso numa rede de pesca. Quanto mais se debate para escapar dela, mais enredado fica. E o Mestre (é ele, sem dúvida) se aproxima, toma uma tocha e com ela queima as tramas da rede, libertando o nosso Jasão. O diálogo que têm assume tons de fantástico, vindo de um ser que o viajante do tempo vira morrer na ignomínia da crucifixação.

Deixemos alguns trechos falarem por si.

“- Antes da minha Encarnação na Terra os homens podia crer em um Deus colérico, sedento de justiça. Sua ignorância era perdoável. Agora revelei-lhes um Pai misericordioso que só conhece a palavra Amor. Crês, então, que um Pai pode desejar essa morte para um filho? Sua vontade era que eu permancesse em vosso mundo até o final e que esgotasse o cálice que todos os mortais, por sua natureza, têm bebido e beberão. Se eu compartilhei a morte foi para demonstrar-vos que a fé em Deus nunca é estéril. Sei que, apesar de minhas palavras, muitos deformarão o sentido de minha morte na cruz. Eu não vim ao mundo para saldar uma suposta velha conta dos homens para com Deus…

Detive-me. E Jesus, percebendo minha surpresa, acrescentou:

- Sei o que estás pensando. Estás enganado, como se enganam todos os que assim pensam. O Pai Celestial não pode conceber jamais a grave injustiça de condenar uma alma pelos erros dos seus antepassados.

- Então essas ideias dos cristãos sobre a redenção pela cruz…

O Mestre pousou suas mãos sobre meus ombros, transmitindo-me sua compreensão.

- A tendência ao vício pode ser hereditária. O pecado, ao contrário, não se transmite de pais a filhos. O pecado é um ato consciente e deliberado de rebeldia contra a vontade de nosso Pai Universal e contra as leis do Filho. Toda ideia de resgate ou expiação, portanto, é incompatível com o conceito de Deus. O amor infinito do nosso Pai ocupa o primeiro posto dentro da natureza divina. Em verdade te digo, Jasão, que o senso de salvação pelo sacrifício está arraigado no egoísmo. Eu tenho pregado que a vida de serviço é o conceito mais elevado de fraternidade entre os que creem. […]”

E a conversa entre o viajante do tempo e o Mestre prossegue, com o nazareno desmistificando uma enorme quantidade de coisas a seu respeito e a respeito de sua verdadeira missão. Quando Jesus lhe afirma que “a salvação humana é inegável e se baseia em dois únicos princípios: Deus é nosso Pai e, consequentemente, todos os homens são irmãos”, Jasão lhe indaga sobre quando a utopia de os homens se amarem como irmãos se dará, ouve a resposta:

“- Só há um caminho: o amor. O amor dissolve o pecado e as fraquezas. Ama teu semelhante, Jasão! Ama-o na penúria e na riqueza! Ama-o ainda quando creias que ele está errado! Ama-o, simplesmente!”

Mais tarde, conversam os três, Eliseu, Jasão e o Mestre. Frente ao ceticismo de Eliseu, o sublime rabi lhe indaga:

“- Por que credes que estais aqui?

A questão colocada pelo Mestre parecia óbvia. Sua interpretação, todavia, nem tanto.

- Digo-vos que nos universos do nosso Pai nada que diga respeito ao domínio do Espírito fica escravizado ao acaso. Tudo é obra do amor, da sabedoria e da misericórdia.

- Não te compreendemos, Senhor.

O Ressucitado marcou então com seus olhos a posição do “berço”. Eliseu e eu voltamos a olhar-nos, desarmados.

- … Quando fordes devolvidos ao mundo e ao momento de onde vindes, uma só realidade brilhará em vossos corações: ensinais a vossos semelhantes, a todos, o que haveis visto, ouvido e vivenciado a meu lado. Sei que, à vossa maneira, terminareis por confiar em mim. Sei também que não temeis os homens nem o que eles possam representar. E que proclamareis minha Verdade. E outros muitos, graças ao vosso esforço e sacrifício, receberão a luz de minha promessa.”

Mais tarde ainda, Eliseu, que havia deixado os aparelhos de rastreamento ligados, se espanta com a composição do “corpo glorioso” do Mestre: simplesmente, incompreensível para a ciência. Não há órgãos, nada que se pareça com o sistema circulatório convencional. Parece antes um corpo no qual circulam energias, administradas pela potência da mente do Mestre (outra pedra de escândalo da série Cavalo de Troia!).

A experiência de dedicar-me a ler uma série de nove livros (dez, na verdade, pois já tomei conhecimento da chegada à livraria do mais novo exemplar, “Dia do Relâmpago”) tem exigido de mim disciplina e fidelidade ao projeto de leitura. Mas vêm sendo altamente compensadoras, pois Cavalo de Troia é, sob todos os aspectos, um exercício intrigante. J. J. Benítez montou um edifício narrativo de cuja entrada não se sai impune.

Mexe com dogmas longamente construídos, propõe intensas asserções imaginativas, abala mitos. Não é pouco. A cada volume, tem me espantado a quantidade de informações detalhadas, o conhecimento das narrativas bíblicas (nem que seja para contradizê-las), a massiva informação técnica e histórica de pé de página.

BENÍTEZ, J. J. Cavalo de Troia 3 – Saidan. Edição revisada. Editora Planeta. São Paulo, SP: 2010.

Um comentário:

Léo Cunha disse...
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