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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Resenha nº 40 - A Graça da Coisa, de Martha Medeiros

Se me permitem o infame jogo de palavras, a graça da coisa é ler este A Graça da Coisa, da escritora Martha Medeiros. Em um depoimento seu, a autora disse que seu maior público são, naturalmente, as mulheres, mas os homens, cada vez mais, a leem. E por que – pode se perguntar um leitor masculino desavisado ou machista – homens se interessam por textos femininos?

Acredito não haver a tal literatura feminina, com características próprias, que a possam diferençar da outra, masculina. Há, talvez, assuntos mais inerentes às mulheres, como os haverá mais apropriados ao mundo masculino.

Além do mais, na minha visão, pelo menos, existem bons e maus textos, tanto escrito por elas quanto por eles. E acontece algo interessante: apreendermos o ponto-de-vista feminino pode ser enriquecedor para nós, homens. Minha vida inteira vivi cercado de mulheres por todos os lados, entrando em contato direto com suas preferências, seus assuntos prediletos, seu ver-o-mundo, suas TPM’s e o seu jeito mais emocional e carinhoso.

Agora, abordemos o livro em análise.

Quando resenhei aqui nesse blog o Feliz por nada, também da Martha, disse que seu texto é agradável de se ler, aliás, como deve ser uma crônica. Esse A Graça da Coisa não foge ao estilo dela. Já no título podemos detectar uma clara proposta enunciativa de se dirigir ao público em geral. Os mais exigentes podem reclamar exatamente do título: é impreciso, a palavra “coisa” é uma “palavra-Bombril", serve para substituir qualquer outro termo. Mas essa escolha foi intencional. Não é assim que nos expressamos, via de regra?

Na crônica A Melhor Visão de Nós Mesmos (página 133), a escritora nos diz:

“Alguns relacionamentos são produtivos e felizes. Outros são limitantes e inférteis. Infelizmente, há ambos os tipos, e de outros que nem cabe aqui exemplificar. O cardápio é farto. Mas o que será que identifica um amor como saudável e outro como doentio? Em tese, todos os amores deveriam ser benéficos, simplesmente por serem amores. Mas não são. E uma pista para descobrir em qual situação a gente se encontra é se perguntar que espécie de mulher e que espécie de homem a sua relação desperta em você. Qual a versão que prevalece?”

Ela trabalha na linha do “eu me reconheço no outro”.

Outro ótimo texto, A Mulher e O GPS, tem a seguinte passagem (páginas 68/69):

“Deus-se então a explicação. “A Vanessa até que é boa gente (gargalhadas generalizadas), mas eu já não conseguia andar com ela no carro. Era um tal de vira à direita, cuidado que o sinal vai fechar, a próxima rua é contramão, tem uma vaga atrás daquele carro preto, ali, está vendo? Aqui, aqui!!! Falei. Agora quero ver você achar outra vaga. Só entrando na segunda à esquerda para fazer o retorno.

Vocês estão me entendendo? A Vanessa não conversava durante o trajeto, não ouvia a música que estava tocando, não apreciava a paisagem. Confiar no meu senso de orientação, nem pensar. Não sei até hoje se ela me considera capaz de interpretar uma placa de trânsito. Era o tempo todo: entra na próxima, aqui é rua sem saída, por ali a gente vai se perder, não ultrapassa agora porque já já você vai ter que dobrar à direita, por que foi pegar essa avenida movimentada se a rua de trás está sempre livre?

O GPS salvou nosso casamento.”

Com crônicas desse naipe, só me resta recomendar a leitura do livro. A obra saiu pela L&PM Editores, e está na 19ª edição.

MARTHA MEDEIROS, A Graça da Coisa. L&PM editores, 19ª edição. Porto Alegre, RS: 2013.

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