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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Resenha nº 116 - A Praça do Diamante, de Mercè Rodoreda

Resultado de imagem para livro a praça do diamanteTítulo original: La Plaça del Diamant
Título em português: A Praça do Diamante
Autora: Mercè Rodoreda
Tradutor: Luis Reyes Gil (direto do catalão)
Edição especial TAG Livros/Planeta
Copyright: 2017
ISBN: 978-85-422-1187-0
Literatura espanhola em catalão
Bibliografia: Sóc una dona honrada, 1932; Del que hom no pot fugir, 1934; Un día de la vida d’un home, 1934; Crim, 1936; Aloma, 1938; Vint-i-dos contes, 1958; La Plaça del Diamant, 1962; El carrer de las camèlies, 1966; Jardí vora el mar, 1967; La meva Cristina i altres contes, 1967; Mirall Trencat, 1974; Semblava de Seda e altres contes, 1978; Tots els contes, 1979; Viatges i flors, 1980; Quanta, quanta guerra..., 1980; La mort i la primavera, 1986 (obra póstuma); Isabel i Maria, 1991 (obra póstuma).

Mercè Rodoreda i Gurguí, nasceu em Barcelona, Espanha, em 10/10/1908 e faleceu em Girona, Espanha, em 13/04/1983, aos 74 anos de vida. Escritora catalã, seu trabalho abarca poesia, teatro, conto e – principalmente – romance. Após sua morte, descobriu-se outro talento de Rodoreda: a pintura.
Os pais, Andreu Rodoreda Sallent e Montserrat Gurguí Guàrdia, eram amantes de literatura e teatro e chegaram a frequentar aulas de declamação na Escola d’Art Dràmatic, mais tarde convertida no Institut del Teatre.
O avô materno de Mercè era considerado por ela mesma como seu mestre. Este homem, Pere Gurguí, era admirador de Jacint Verdaguer i Santaló, um dos poetas mais influentes da Catalunha, tendo mesmo mandado erigir, em seu jardim, uma estátua ao poeta. O avô foi também redator nas revistas La Renaixensa e L’Arc de Sant Martí. Ele insuflou em Mercè o sentimento catalanista e de amor à língua catalã e às flores.
Desconcertante. Esta é bem a sensação que me fica, ainda agora, após ter lido A Praça do Diamante. E esta sensação não é pela história em si, pelos fatos narrados na obra de Rodoreda, mas pelo modo como ela o faz. Vou tentar me explicar nas próximas linhas.
A Praça do Diamante é uma obra complexa, apesar do efeito de simplicidade obtido a partir de como se expressa a narradora. A história, contada pela narradora-personagem Natàlia, apelidada Colombeta, é vazada numa linguagem que beira a ingenuidade. Há presença de repetições, reiterações, algo do “pensamento caótico”, tudo tão característico da oralidade:
“A Julieta veio até a confeitaria expressamente para me dizer que, antes do sorteio da prenda, iam sortear cafeteiras, que ela já as tinha visto: lindas, brancas, com uma laranja pintada, partida ao meio, os caroços à amostra. Eu não tinha vontade de ir dançar nem sair, porque passara o dia empacotando doces e as pontas dos meus dedos doíam de tanto apertar barbantes dourados e de tanto dar nós e fazer alças. E porque eu conhecia a Julieta, que de noite não precisava de mais do que três horas de sono, a para ela dormir ou ficar acordada era indiferente. Mas ela me fez acompanhá-la querendo ou não, porque eu era assim, sofria se alguém me pedia alguma coisa e eu tinha de dizer não. Estava eu toda de branco, de cima a baixo: o vestido e a anágua engomada, os sapatos brancos que nem leite, os brincos de massa branca, três pulseiras de aro combinando com os brincos e uma bolsinha branca, que a Julieta disse que era de plástico, com um fecho de conchinha dourado.” (página 13)
Natàlia é noiva do ciumento Pere. Brigam, ela rompe o compromisso com ele. Naquele dia em que Julieta consegue arrastá-la ao baile da Praça do Diamante, ela conhece Quimet (forma diminutiva catalã para Joaquim); ele lhe diz que ela seria sua rainha dentro de um ano. E esta “profecia” se cumpre: Quimet e Natàlia, a quem ele chama de Colombeta (pombinha, em catalão) se casam.
A vida dos dois não será tranquila. Quimet trabalha como marceneiro e Colombeta trabalha numa confeitaria. Alugam um pequeno apartamento, onde pombos costumam aterrissar na sacada. E Quimet começa a criá-los, com o ideal de ficarem ricos em pouco tempo. Tais aves tornam, gradativamente, a vida da personagem um verdadeiro inferno.
Os filhos do casal vão chegando: Antoni e Rita. Novas responsabilidades acometem Colombeta: cuidar dos muitos e variados pombos e dos filhos pequenos, além de trabalhar fora. E, para completar, estoura a Guerra Civil Espanhola.
Este conflito armado deflagrou-se após uma tentativa de golpe de estado contra a Segunda República Espanhola; terminou com a vitória dos militares, em 1939, com a instauração de um regime fascista, comandado pelo general Francisco Franco.
A Guerra Civil Espanhola não é tratada diretamente no romance, mas seus efeitos sobre os cidadãos catalães, sim. Tudo se torna muito difícil para os moradores: faltam alimentos, falta água potável, ir e vir torna-se complicado. Muita gente morre, e dentre estas, pessoas das relações de Colombeta.
As referências a Barcelona, capital da república autônoma da Catalunha, aparecem no livro:
“E foi olhando ainda para o melro que o Quimet começou a falar do senhor Gaudí, que o pai dele o conhecera no dia em que o senhor Gaudí fora atropelado pelo bonde, que o pai foi um dos que o levaram para o hospital, pobre senhor Gaudí, tão boa pessoa, olha só que morte mais miserável... E que no mundo não havia nada como o parque Güell nem como a Sagrada Família e a Pedreira. Eu disse a ele que, em resumo, achava que tudo aquilo eram ondas demais e pontas demais.” (página 20)
Tanto o Parc Güell quanto o Templo Expiatório da Sagrada Família ou o prédio conhecido como La Pedrera são concepções arquitetônicas de Antoni Gaudí, máximo expoente do Modernismo catalão.
Recordações da infância também são parte integrante da história contada por Natàlia-Colombeta:
“A mãe do Quimet me fez o sinal da cruz na testa e não quis que enxugasse a louça para ela. Eu estava grávida. Depois de lavar a louça, trancou a cozinha e sentamos na sacada coberta de parreira de um lado e de chocalheiras do outro, e o Quimet me disse que estava com sono e nos deixou sozinhas; foi quando a mãe do Quimet me contou o que tinham aprontado com ela, o Quimet e o Cintet, quando eram pequenos, uma quinta-feira à tarde, que o Cintet sempre passava na casa deles. Contou que havia plantado jacintos, três dúzias de jacintos, e que toda manhã assim que levantava ia ver como estavam crescendo. Disse que os bulbos de jacintos crescem muito devagar para se fazer de difícil e que por último o caule estava coberto de brotinhos enfileirados. Que pelos brotinhos já dava para adivinhar de que cor seriam as flores. Mais que qualquer outra cor, havia cor-de-rosa.” (página 68)
Parte da sensação incômoda que me ficou, mesmo após a leitura do livro, é originada por este tom de melancolia difusa de Colombeta, algo como uma dor existencial generalizada, e por isso mesmo de difícil diagnóstico, como ressalta o trecho abaixo:
“Continuei em frente e no bazar parei para olhar as bonecas e um ursinho branco de pelúcia, com a parte de dentro das orelhas de veludo de risquinha, preto, e jardineira também de veludo preto. Fitinha azul no pescoço. A ponta do nariz de veludo preto. Me olhava. Estava sentado aos pés de uma boneca muito bonita. Tinha os olhinhos cor de laranja e a pupila brilhante e escura como um poço; e com os braços abertos e as plantas dos pés brancas, parecia um bobalhão. Fiquei tão encantada que nem me lembro quanto tempo fiquei olhando, até que me senti muito cansada, e na hora em que ia atravessar o Carrer Gran, quando já tinha colocado um pé na rua e o outro ainda estava em cima da calçada, em pleno dia e quando já não havia mais luzes azuis, eu as vi. E caí no chão deitada como um saco. E quando subia a escada de casa e parava para espirar junto da balança, não me lembrava do que tinha acontecido, como se o tempo entre colocar um pé na rua e o tempo de chegar à balança fosse um tempo que eu não tivesse vivido.” (página170)
Sinta, caro leitor, como essa fieira de detalhes “atrasa” a narrativa, tornando o ritmo do texto lento. Observe que não há qualquer palavra denotativa de tristeza, melancolia, infelicidade, insatisfação, ou sinônimos. Mas, talvez pela insistência na descrição pormenorizada do ursinho na vitrina, talvez por – vestindo a pele da personagem – nos deixarmos, como Colombeta, distrair pela figura do brinquedo de pelúcia, que remete inelutavelmente à infância, sintamos igualmente a nostalgia da personagem.
Colombeta tem uma maneira muito peculiar de observar as coisas. Veja o ângulo completamente invertido pelo qual ela enxerga uma simples árvore:
“E me livrava delas assim e me entretinha olhando as árvores, que vivam de pernas para o ar, com todas as folhas que eram os pés. As árvores que vivam com a cabeça dentro da terra comendo terra com a boca e com os dentes que eram as raízes. E o sangue corria por elas diferente de como corre por dentro das pessoas: direto da cabeça até os pés, tronco acima. E o vento e a chuva e os passarinhos faziam cócegas nos pés das árvores, tão verdes quando nasciam. Tão amarelas na hora de morrer.” (página 225)
A personagem-narradora não tem vida própria. Não decide sobre o que deve ser feito. Uma das passagens em que isto é contundente é a seguinte:
“Estava cansada; eu me matava trabalhando e tudo andava para trás. O Quimet não via que o que eu precisava era de um pouco de ajuda em vez de passar minha vida só ajudando, e ninguém reparava em mim, e todo mundo me pedia mais, como se eu não fosse uma pessoa. E o Quimet não parava de arrumar pombos e dá-los de presente! E aos domingos saía com o Cintet. Mesmo tendo dito que ia colocar um carrinho na moto para que todos pudessem sair.” (página 124)
A sensação crescente de desconcerto, de incômodo que eu senti atinge altos níveis porque a tão esperada epifania de Colombeta se entremostra, mas não vem. Não posso dizer a você, leitor, do que se trata, pois inevitavelmente cometeria um spoiler.
Não é por incompetência da autora que a parte inicial do livro é arrastada, dificultando sobremaneira a leitura. É intencional e para ter certeza disto, basta ler o posfácio de Mercè: é esclarecedor.
Podemos rastrear vários símbolos pelo livro. Um deles, os próprios pombos. Quimet dá o apelido de Colombeta à Natàlia, logo na primeira vez em que a vê. Pombinha. Tantos pombos vão e vêm, sem marcar sua individualidade, vão enchendo o apartamento do casal, tornando a vida da dona um verdadeiro inferno. A cena em que eles aparecem, aos bandos, me lembrou muito o filme de Alfred Hitchcock, “Os Pássaros”. Entretanto, se lá as aves representavam a ameaça difusa, o medo que nós todos temos de alguma coisa ampla e indefinida (como, por exemplo, a notícia de que o mundo vai acabar), aqui eles vão representar uma vida chã, plana, sem acontecimentos dignos de nota.
Como última transcrição do livro, talvez fosse útil reproduzir o que a própria Mercè Rodoreda escreveu em seu posfácio:
“Em A Praça do Diamante há muitas coisas: o funil, o caracol marinho, as bonecas do bazar... há todos os detalhes dos móveis, das campainhas elétricas e das portas da casa onde a Colometa vai trabalhar. Há as moedas de ouro de monsenhor Joan, que este dá a Quimet para o caso de necessidade. Há a balança desenhada na parede da escada. E a faca, símbolo sexual, com a qual no fim do livro a Colometa escreve seu nome na porta da casa em que havia morado.” (página 244/245)
É um grandíssimo livro, mas não o leia se estiver depressivo, ou mesmo triste. Não é um livro gostoso de ler. A melancolia difusa, a epifania da personagem, que afinal não vem, a aceitação das limitações do homem com quem Colometa vai viver são coisas difíceis de digerir.
Entretanto, se como querem alguns escritores, a verdadeira arte (literatura incluída) existe para incomodar e não para entreter, então Mercè Rodoreda atingiu o ápice de sua arte. A Praça do Diamante, sem favor nenhum, é um grande livro.

Nota atribuída: 9,5

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Resenha nº 115 - Ragtime, de E. L. Doctorow

Resultado de imagem para livro ragtimeTítulo Original: Ragtime
Mantido o mesmo título para a edição em português
Autor: E. L. Doctorow
Tradutor: A. Weissenberg
Edição: TAG Livros/Record
Copyright: 1975
ISBN: 978-85-01-11079-4
Gênero Literário: Romance
Literatura Americana
Quantidade de páginas: 386
Bibliografia do autor: Romances –  Welcome to Hard Times, 1960 (adaptado para filme); Big as life, 1966; The book of Daniel, 1971 (adaptado para filme); Ragtime, 1975 (adaptado para filme); Loon Take, 1980; World’s Fair, 1985; Billy Bathgate, 1989 (adaptado para filme); The Waterworks, 1994; City of God, 2000; The March, 2005; Homer and Langley, 2009; Andrew’s Brain, 2014. Histórias curtas – Vidas dos Poetas: seis histórias e uma novela, 1984; Sweet Land Stories, 2004; Todo O Tempo No Mundo: histórias novas e selecionadas, 2011; Cuentos Completos (em Espanhol), 2015; Outros – Hino americano, ensaio fotográfico, 1982; Jack London, Hemingway e a Constituição (ensaios), 1993; Relatório do universo, 2003; Criacionistas (ensaios), 2006; Wakefield (história curta), 2008; Unexceptionalism: A Primer, 2012 .

Edgar Lawrence Doctorow, cujo primeiro nome lhe foi dado em homenagem a Edgar Allan Poe, nasceu no Bronx, bairro de Nova York, em 06/01/1931 e faleceu em 21/07/2015, aos 84 anos. Romancista, editor e professor americano, tornou-se mais conhecido mundialmente por suas obras literárias de ficção histórica. Sua trajetória literária se compõe de doze romances, três volumes de ficção curta e uma peça de teatro. Doctorow ganhou vários prêmios importantes e foi chamado pelo ex-presidente Barack Obama de “um dos maiores romancistas da América”. Tal afirmação não é exagero: Doctorow sempre foi reconhecido por sua versatilidade e originalidade.
O escritor criou narrativas utilizando-se de contextos históricos reconhecíveis, fazendo os personagens criados interagirem com personalidades históricas; desta forma, o efeito de verdade é bastante convincente. Seu estilo, pelo menos em Ragtime – obra que acabei de ler – é algo somente obtido por excelentes escritores, que dominam perfeitamente o fazer literário.
Ragtime se passa na América do pré-guerra, fornecendo-nos um amplo painel dos costumes, da estrutura social, da industrialização iniciante nos albores do Século XX. Servindo-se das ferramentas da ironia e do sarcasmo, E. L. Doctorow – como ficou conhecido – dispara sua metralhadora crítica para todo lado.
O título do livro, Ragtime, nomeia um ritmo muito em voga na época, sincopado, com marcações fortes no contratempo, escrito inicialmente em 2/4, depois evoluindo para 4/4. O que caracteriza o estilo não é propriamente a fórmula musical, mas o tipo de síncope. Difícil de entender, leitor? Lembre-se da música-tema The Enterteiner, do filme Golpe de Mestre, composta pelo expoente do estilo musical, Scott Joplin.
Doctorow, genialmente, utiliza uma escrita em que frases curtas se misturam a frases longas, recriando o ritmo sincopado do ragtime:
“Naquela noite, White compareceu à estreia de Mamzelle Champagne, no terraço do Madison Square. Estava-se em princípios de junho e no final do mês anterior uma forte onda de calor começara a matar bebês em todos os cortiços. As construções brilhavam como fornalhas e seus habitantes não dispunham de água para beber. O tanque no fundo da escadaria estava seco. Pais corriam as ruas em busca de gelo. Tammany Hall fora destruída pelos reformadores, mas os exploradores continuavam a monopolizar o gelo e a vender lascas a preços exorbitantes. Travesseiros eram colocados nas calçadas. Famílias dormiam em patamares e portas. Cavalos tombavam e morriam nas ruas. O Departamento Sanitário enviava carroças pela cidade para arrastar os animais que haviam morrido, mas o serviço não era eficiente. Cavalos explodiam devido ao calor. Os intestinos expostos fervilhavam de ratos. E nos becos dos bairros miseráveis, por sobre as roupas cinzentas que pendiam imóveis de cordas presas nos poços de ventilação, flutuava o cheiro de peixe frito.” (página 28)
Não à-toa, a expressão em inglês To be in rags significa “estar vestido em trapos, ser maltrapilho”.
O fio narrativo central é sobre uma família de classe média alta, vivendo em Nova York do início do século XX. Época da industrialização efervescente da América. Público sequioso por novidades e futilidades que o dinheiro dos nouveaux riches poderia proporcionar. Os nomes dos componentes desta família são designados, por um narrador crítico, como Papai, Mamãe, O Menino e O Irmão Mais Novo de Mamãe. Recurso que, parece, mais generaliza do que individualiza tais personagens, como se eles fossem representantes de uma categoria que se quer criticar.
Papai tem uma ascenção econômica vertiginosa por vender fogos de artifícios e artigos patrióticos, como bandeiras dos Estados Unidos. Festas e patriotismo exacerbado no país do american way of life. Não podia dar errado. Mas, sempre à procura de novidades, Papai se lança à exploração do Polo Norte junto a Robert Peary, suposto primeiro homem a atingir o Polo (hoje esta referência é questionada). 
Um romance, do ponto de visto de técnica de composição literária, é uma obra no qual dois ou mais núcleos narrativos convivem lado a lado, para depois convergirem para o núcleo central. É assim que temos, ainda, o drama vivido por Evelyn Nesbit (famosa modelo e cantora), Henry Ford (criador do famoso automóvel Ford modelo T), J. P. Morgan, milionário excêntrico e fundador do Metropolitan Museum of Arts de Nova York. Juntam-se a estes seres históricos o famosíssimo mágico Harry Houdini e Emma Goldman, ativista do anarquismo. Todos estes homens e mulheres reais interagem com a família fictícia de Papai.
Do ponto de vista estrutural, a presença forte do Irmão Mais Novo de Mamãe terá um papel importante na condução da história, já que será sua presença condutora do fio narrativo, “costurando” os capítulos.
Além da descrição de tons fortemente incisivos transcrita acima, temos essa voz crítica, sarcástica, do narrador em outros trechos:
“A arte egípcia, seu estilo, era escolhido para a decoração de interiores. Desapareceu o Luís XIV e entraram em moda as cadeiras-trono com serpentes esculpidas nos braços. Em New Rochelle, Mamãe não ficou imune à tendência e, achando opressivamente enfadonho o papel de parede com motivos florais, substituiu-o por um elegante padrão de homens e mulheres egípcias, olhos grandes e negros, toucados altos e saias curtas. Coloridos de ocre, azul e castanho, desfilavam pelas paredes àquela estranha maneira frontal dos egípcios, com abutres nas palmas das mãos, bagos de trigo, lírios aquáticos e alaúdes, acompanhados de leões, escaravelhos, corujas, bois e pés decepados do corpo. Papai, sensível a qualquer mudança, perdeu o apetite. Parecia-lhe impróprio sepultar-se para jantar.” (páginas 164/165)
Numa outra linha narrativa, a obra vai nos contar da vida de certo Tateh (significa ‘Papai’), viúvo de Mameh (‘Mamãe’) e pai de uma garotinha, um judeu socialista que inventara, para si, o título nobiliárquico de Barão. O mais interessante a respeito deste Tateh, evitando-se o spoiler, é que ele era um artista, elaborava complexas silhuetas.
A respeito das tais silhuetas, nos informa a revista que acompanha o Ragtime da TAG,  
“Em termos artísticos, a técnica foi inventada durante o Iluminismo, como uma distração elegante da aristocracia  do século XVIII. A silhueta é uma imagem de contornos de uma figura, matizada em uma única cor, dando a impressão de uma sombra projetada pela figura em questão.”
No contexto do romance, a alusão à Arte da Silhueta – palavra aportuguesada a partir do nome do criador francês Etienne de Silhouette (1709 – 1767) é significativa pela aproximação que podemos fazer do passatempo da aristocracia francesa e os maneirismos da América. Ainda, sendo a silhueta uma figura que sugere sombra, a referência à sombra americana – a impessoalidade da sociedade fútil envolvida com inutilidades – torna-se uma outra ferramenta crítica.
A posição libertária de Emma Goldman transparece num diálogo entre ela e a superficial Evelyn Nesbit:
“Afinal, prosseguiu Goldman, você nada mais é do que uma prostituta inteligente. Aceitou as condições em que se viu e triunfou. Mas, que espécie de vitória é essa? A vitória da prostituta. E quais foram as consolações? As do cinismo, do desprezo, do desprezo pelo gênero masculino. Por que sentiria um elo tão estreito com essa mulher, pensei comigo? Afinal, jamais aceitei a escravidão. Tenho sido livre. Toda a vida combati para ser livre. E nunca levei para a cama um homem a quem não amasse, um homem a quem não aceitasse no amor como um ser humano livre, meu igual, dando e aceitando em iguais porções  amor e liberdade. É provável que tenha dormido com mais homens do que você. Aposto que ficaria escandalizada se soubesse como fui livre, com que liberdade vivi a minha vida. Porque, como todas as prostitutas, você dá valor à propriedade. É um produto do capitalismo, cuja ética é tão absolutamente corrupta e hipócrita que sua beleza não passa da beleza do ouro, isto é, falsa, fria e inútil.” (página 67)
O capítulo 20 é dos que mais gostei no livro. Não poderia comentá-lo sem spoilers desagradáveis. Posso, entretanto, transcrever um diálogo muito bom entre o milionário J. P. Morgan e Henry Ford, constante do citado capítulo:
“Muito bem, prosseguiu Ford. Encontrei por acaso um livrinho intitulado An Eastern Fakir’s Eternal Wisdom, publicado pela Franklin Novelty Company de Filadélfia, Pensilvânia. E nesse livro, que me custou apenas 25 centavos, achei tudo que precisava para me tranquilizar. A reencarnação é a minha única crença, Sr. Morgan. Explico assim o meu gênio: alguns viveram mais vidas que outros. Assim, o que o senhor gastou com eruditos e viajando ao redor do mundo eu já sabia. E vou lhe dizer algo em agradecimento pelo almoço: empresto-lhe o livro.” (páginas 162/163)
Nota: Neste diálogo, Ford procura justificar seu saber, seu pioneirismo intuitivo, em comparação ao saber construído de Morgan.
Na efervescência da sociedade nova-iorquina o misticismo é uma verdadeira praga. Fraudes, modismos, ânsia pelas novidades faz com que o ilusionista Harry Houdini se torne uma espécie de “caçador de mitos”:
“Olhos vendados, revelava a um auxiliar cada item erguido para a identificação por alguém do público. Que é isto, Sr. Houdini? Perguntava o auxiliar. E ele respondia. Era tudo feito por meio de código. Às vezes alegava falar com os mortos e dava a um pobre homem incrédulo, cujo nome e circunstância obtivera, uma mensagem do ente querido falecido. Sabia, portanto, o que era fraude espiritista. Percebia-a. Esse tipo de fraude grassava nos Estados Unidos desde 1848, quando duas irmãs, Margaretta e Kate Fox, convidaram os vizinhos a ouvir as misteriosas batidas em sua casa de Hydesville, Nova York.” (páginas 209/210)
A própria presença de Harry Houdini, segundo minha opinião, não é gratuita. Vejamos: Houdini é o ilusionista, o especialista em fugas, venerado e admirado por todos. É um outro símbolo, dentro da linha argumentativa que dá suporte ao livro; mais uma vez, a dita sociedade americana idolatrando a ilusão. Aliás, consta também do livro a nascente indústria cinematográfica, a consolidar-se, mais tarde, na poderosa Hollywood.
Não só o narrador de Ragtime é crítico: o próprio Edgar Lawrence Doctorow disse, certa vez, em alusão ao escritor famoso Edgar Allan Poe, que lhe emprestara o primeiro nome, que Poe era “um dos nossos melhores escritores ruins”, num sarcasmo evidente.
Livro extraordinário, autor genial – coisas indiscutíveis, pelo menos para mim. Aconselho fortemente a leitura deste livro, mas ressalto que o candidato a leitor deverá ter duas características para melhor fruição do trabalho: gosto por ficção histórica e atenção às minúcias de estilo.
Afinal, Ragtime é um clássico e não podemos ler um clássico de maneira descuidada...

Nota atribuída: 10,0

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Resenha nº 114 - O Físico, de Noah Gordon

Resultado de imagem para livro o físicoTítulo original: The Physician
Título em português: O Físico
Autor: Noah Gordon
Tradutor: Aulyde Soares Rodrigues
Editora: Rocco
Edição: N/c
Copyright: 1986
ISBN: 85-325-0303-9
Gênero: Romance
Literatura americana
Bibliografia do autor: O Rabino, 1965; O Comitê da Morte, 1969; O Diamante de Jerusalém, 1979; O Físico, 1986; Xamã, 1992; A Escolha da Dra. Cole, 1996; O Último Judeu, 2000; Sam e Outros Contos de Animais, 2005; La Bodega, 2007 (no Brasil, todos os títulos publicados pela Editora Rocco).

Noah Gordon nasceu em Worcester, EUA, em 11/11/1926. Serviu no exército, durante Segunda Guerra Mundial; após esta conflagração, entrou para o curso de pré-medicina, por pressão dos pais. Cursou apenas por um semestre. Transferiu-se para o curso de jornalismo e se formou em 1950. Atuou como editor em algumas revistas, tendo publicado seu primeiro romance O Rabino em 1965. Seus trabalhos falam a respeito da história da medicina e ética médica; mais recentemente, passaram a focar a inquisição e a herança cultural judia.
Há muito tempo tenho, na minha estante, os três volumes que compõem esta saga da história da medicina: O Físico, Xamã e A Escolha da Dra. Cole. Por motivos completamente obscuros para mim, só agora li o primeiro volume, O Físico. Tenho muitos livros na fila, para ler – nada muito organizado – não se constituindo este, portanto, um bom motivo para que o volume ficasse me esperando.
Quinhentas e noventa páginas lidas em quatro dias e meio dão bem a imersão que foi esta leitura. E não consigo realizar uma tal imersão sem prazer estético. Leituras a que me obrigo são feitas com disciplina, mas levam tempo. O Físico é dessas obras que antes mesmo de as ler, já sabemos do que tratam, mesmo em linhas gerais. Pertencem já ao imaginário coletivo, ao mundo das referências literárias.
A história se passa na Europa do Séc. XI, mais precisamente começa na Inglaterra e avança à Pérsia (do grego transliterado Persís), país sucedido, nos dias de hoje, pelo Irã e retorna à Inglaterra, terminando nas terras distantes da Escócia. A Pérsia sempre fora nominada pelo seu próprio povo como Irã (Ērānšahr significa “País dos Arianos” ou “País dos Iranianos”); em 1934, Reza Palávi, por decreto, restituiu o nome Irã para seu país.
A palavra físico, do título, não tem nada a ver com o conceito de Física – um dos ramos da ciência moderna. Físico era o nome dado aos profissionais formados em medicina, na Idade Média. Entretanto, o livro não trata da história da medicina, embora luminares desta profissão sejam citados no livro. O Físico vai nos pegar pela mão e nos levar, entre aventuras, pelo tema da dificuldade que tais profissionais tiveram para implantar sua ciência num mundo obscurantista e cheio de crenças impostas pelas religiões.
Enredo: certo jovem, de nome Robert Jeremy Cole torna-se órfão primeiro da mãe, depois do pai. Tem irmãos, o bebê Roger, Jonathan Carte, de 18 meses, Samuel Edward, de sete anos, William Stewart, de seis e Anne Mary, quatro. A família se desfaz, pois Robert não pode cuidar de todos; são adotados por famílias. O próprio Robert segue como aprendiz de Henry Croft, autocognominado Barber, por exercer a profissão de barbeiro-cirurgião. São muitas aventuras colhidas ao lado de Barber e, um dia, o jovem descobre desejar, mais que tudo, ser médico. Como a melhor escola de medicina do século XI fica na cidade persa de Ispahan (também grafada Isfaran), onde Abū ‘Alī al-Husayn ibn ‘Abd Allāh ibn Sīnā – reduzido para Ibn Sīnā, ou mais conhecido pelo nome latinizado, Avicena – é o Príncipe dos Médicos, Rob Cole empreende uma viagem desgastante para o país dos xás. Seguem-se outras tantas aventuras.
As estradas da época são difíceis e perigosas; há assaltantes por toda parte e a única segurança dos viajantes é ajuntar-se em aglomerados maiores e assim continuarem seus caminhos. Num destes trajetos em grupo, Rob conhece uma escocesa, Mary Cullen, acompanhada do pai e por quem se apaixona, sendo correspondido. Entretanto, em sua persistente busca da formação em medicina, Rob terá de adiar a convivência com Mary, abrir mão da sua própria identidade britânica e de seu modo de vida.
Antes de prosseguir, algumas contextualizações necessárias. A Europa do Século XI era dominada por ideias às vezes, religiosas, às vezes ditadas pela tradição de crendices. Junte-se a isto uma enorme ignorância quanto à higiene, à infraestrutura sanitária e ao uso de remédios estranhos, como esterco de animais para curar feridas e teremos um quadro de arrepiar qualquer leitor moderno. Não foi por acaso que a peste negra assolou o velho continente e muito tempo se gastou até se descobrir de onde vinha aquela praga. Os ratos, que infestavam as aglomerações humanas, portavam pulgas – estas agentes da doença – logo espalhando a peste negra ou peste bubônica entre cada vez mais ratos e humanos.
Os barbeiros-cirurgiões eram um misto de saltimbancos, barbeiros  e cirurgiões de pequenas cirurgias; consertavam braços e pernas quebrados de modo bastante precário, vendiam loções revigorantes e remédios universais para quase todos os males. Viajavam em carroças, cuja identificação se fazia por um cilindro pintado de branco e vermelho, colocados nas laterais dos veículos. Realizavam shows de musicais, malabarismo e tudo o mais que pudesse atrair a atenção da população para seus cataplasmas, unguentos salva-vidas e intervenções. Barbeiros-cirurgiões tratavam da população pobre e de baixa renda; os médicos tratavam dos ricos, possuidores de bolsas mais abastadas para pagar o atendimento bem mais caro dispensado por eles. Como os médicos, os barbeiros-cirurgiões não eram bem vistos por boa parte da população, sobretudo, pelo fervor religioso.
O Físico põe em curso três grupamentos religiosos: os cristãos, os judeus e os muçulmanos. Têm extrema resistência em aceitar a medicina por motivos que vão desde a repulsa por dissecar cadáveres para estudo até o preconceito de que os médicos interfeririam na vontade divina.
Retomando a resenha, eis um trecho no qual Rob percebe possuir um dom especial:
“Era como segurar um par de pássaros trêmulos. Os dedos finos encostaram nos seus e enviaram a mensagem.
Barber viu o garoto ficar tenso.
— Vamos – disse impaciente. – Não podemos ficar aqui o dia todo.
Rob não parecia estar ouvindo.
Duas vezes sentira algo estranho e desagradável passar do corpo de outra pessoa para o seu. Agora, como nas outras duas ocasiões, foi dominado por um terror intenso, largou a mão do paciente e fugiu.
Praguejando, Barber procurou até encontrar seu aprendiz encolhido sob uma árvore.
— Quero saber o que isso significa. Agora!
— Ele... O velho vai morrer.
Barber olhou espantado para ele.
— Que conversa de merda é essa?
O aprendiz começou a chorar.
— Pare com isso – disse Barber. – Como você sabe?
Rob tentou falar mas não conseguiu. Barber o esbofeteou e ele deu um suspiro. Quando começou a falar, as palavras jorraram, pois estavam rolando em sua mente desde antes de deixar Londres.
Tinha sentido a morte iminente da mãe e aconteceu, explicou ele. Então, teve certeza de que o pai estava morrendo, e ele morreu.” (página 77)
O livro é divido em sete partes. O grande vulto que se destaca do fundo narrativo da quarta à sexta parte é Ibn Sīnā, o Avicena, o Príncipe dos Médicos. A universidade em que esta figura lecionava preparava seus candidatos a serem sobretudo polímatas, isto é, indivíduos que dominam vários saberes. Desta forma, todos são submetidos a uma terrível avaliação, na qual deveriam demonstrar domínio do saber médico, filosófico e do direito – este fortemente influenciado por conceitos e argumentos fundados em Maomé.
Avicena é, ele mesmo, um polímata. Homem atencioso com seus pacientes, vestindo-se sempre de maneira simples, tem uma cultura invejável, sobretudo do que o rodeia, incluindo aí a filosofia ocidental (Platão, Aristóteles), astronomia, política e, naturalmente, medicina. Ele é realmente o grande mestre de Rob Cole. Avicena é outro personagem apaixonante pela sua integridade, pela sua lúcida e tranquila sabedoria e pela sua bondade.
O Físico não é somente um livro de aventuras; críticas sociais recheiam o texto, a par de tantas informações históricas reveladoras de uma pesquisa bem conduzida:
“Fascinado agora, Rob Observou os três homens, cada um cercado por nobres bajuladores e embevecidos. O Xá com seu grupo habitual de beijadores de traseiro, Ibn Sina, grave e discreto, respondendo calmamente as perguntas dos homens com aparência de estudiosos. Karim, como sempre naqueles dias, praticamente escondido entre os admiradores que queriam falar com ele, tocar suas roupas, banhar-se na excitação e fulgor daquela presença tão disputada.
A Pérsia parecia perita em fazer de cada homem um corno.” (página 423)
Sem esforço, podemos ler a crítica social como se fosse do nosso tempo, não é mesmo, leitor?
Uma das coisas que me conquistou em O Físico é a postura neutra do narrador não nominado, no tocante às questões de religião:
“— Já pensou – perguntou Rob – como cada religião reivindica a posse do coração e dos ouvidos de Deus? Nós, vocês e o islã, cada um diz que sua religião é a verdadeira. Será que nós todos estamos errados?
— Talvez estejamos todos certos – respondeu Mirdin.
Rob sentiu uma intensa afeição pelo amigo. Logo Mirdin seria médico e voltaria para sua família em Masqat, e quando Rob chegasse a hakim[1], também voltaria para casa. Sem dúvida nunca mais se veriam.” (página 429)
Um exemplo de como Noah Gordon maneja eficientemente sua pesquisa histórica transparece no trecho transcrito abaixo:
“Para ela, Londres era um lodaçal negro onde já estavam afundados até os tornozelos. A comparação não era acidental, pois a cidade fedia mais do que os pântanos que tinham visto durante suas viagens. Os esgotos abertos e a sujeira não eram piores do que os esgotos abertos e a sujeira de Ispahan, mas em Londres vivia muito mais gente e em alguns bairros vivam amontoadas, de modo que o fedor das excreções humanas misturado ao do lixo era abominável.” (página 546)
Difícil não nos apaixonarmos pelo personagem principal, Robert Jeremy Cole. Ele não é um herói, no sentido do termo. Seus feitos são direcionados por uma firme vontade de atingir seu sonho. Este é, portanto, um personagem de superação; erra, acerta, é brilhante às vezes, é ingênuo outras tantas. Como disse Flaubert em Madame Bovary, “Madame Bovary sou eu”. Rob Cole somos nós. Ou, pelo menos, sua fidelidade aos seus propósitos, ao alto conceito dado à profissão abraçada deveria entusiasmar qualquer de nós:
“— Talvez o sistema funcione para as raças inferiores, mas os médicos ingleses têm espírito mais independente e devem ter liberdade para conduzir seus negócios.
— Sem dúvida a medicina é mais do que um negócio – observou Rob delicadamente.
— É menos que um negócio – retrucou Hunne –, com o preço das consultas e com os borra-botas inexperientes que estão sempre chegando a Londres. Por que acha que é mais do que um negócio?
— É uma vocação, Mestre Hunne, como o chamado divino para os homens da Igreja.” (página 558)
Recomendo a leitura desta obra com louvor, caro internauta que se dá o trabalho de me ler esta resenha. Bom enredo, história interessante, um ritmo apropriado, a respiração do texto acelera quando deve, acalma-se quando precisa.
Gostei da posição neutra do narrador, no tocante às religiões: não estaremos todos certos? Avicena, o Príncipe dos Médicos, figura comprovada pelos registros históricos – um gênio do seu tempo, embora, até certo ponto, ainda preso a concepções religiosas engessantes – também nos impressiona. A fibra demonstrada tanto por Rob Cole quanto por Mary Cullen são fortes referências para nossa vida.
O Físico é uma leitura bastante oportuna pela neutralidade já referida, num momento em que cresce no mundo a generalização perigosa de que todo muçulmano seja um terrorista, afirmação sem conhecimento de causa e baseada apenas nas loucuras perpetradas pelo Estado Islâmico em nome de Maomé ou Allah. Nós, os cristãos, também não fizemos guerras com armas “abençoadas” e benzidas por sacerdotes? Seríamos todos igualmente impiedosos?

Tocado pela experiência de ter lido o livro, imaginei-me sentimentalmente a bordo de um camelo, com seu passo cadenciado, mergulhado nas tinturas cambiantes do lusco-fusco, a caminho de Londres. Pela minha mente repassavam todas as experiências de vida, todos os sacrifícios pelos quais trafegou Rob Cole – a esta altura já sou íntimo do personagem – e tenho a meu lado a obstinada Mary. Seguimos o caminho seguro, do ponto de vista geográfico; não obstante, o caminho psicológico a minha frente é completamente imprevisível.

Enfim, é desnecessário continuar “babando” sobre o livro: numa palavra, amei-o. Atribuo-lhe uma justa nota 10.






[1] Médico aprovado pela Banca Examinadora.