Imagem: trabalho de Emma Taylor, obtido
em www.konyvkultura.kello.hu/kepgaleriak/emma-taylor
Texto: Cleuber Marques da Silva
É uma hora qualquer, qualquer
hora do dia. Abro a capa do livro, salto as páginas iniciais, que já conheço e
vou direto para o texto, que ainda não conheço. Meus olhos sequiosos procuram
as palavras inscritas sobre a folha (de preferência, em papel amarelado) e a
minha consciência se transporta para outro lugar.
Lá fora ficam o mundo real e suas
necessidades, medos, fortes apelos. Eu estou lendo. Não sinto as complexas
ligações entre as sinapses do meu cérebro. Apenas confirmo o seu efeito:
enquanto os olhos, ligeiros, saltam de frase em frase, de período em período,
de parágrafo em parágrafo, minha mente me dá o entendimento do que leio.
De vez em quando, são extraídos
do fundo da memória fatos acontecidos, outros textos ruminados, sentimentos já
vividos e eles vêm coparticipar do texto que leio. Enchem lacunas informativas
e sensoriais que, necessariamente, toda escrita traz em si; enriqueço-a e
enriqueço-me com este comensalismo.
Personagens – entidades misteriosas
encarnadas em palavras – me fazem sentir raiva, requestam meu amor, me fazem
torcer por seu sucesso ou fracasso, dependendo do caso. São seres sedutores,
cheios de artimanhas discursivas: não só conduzem a narrativa, enchendo-a de
uma espécie de humanidade de segunda instância, mas vivem uma estranha
dualidade, pois tanto servem o texto, quanto por ele são servidos.
Muitos dos meus processos
químicos, físicos ou biológicos são fortemente influenciados pela leitura. Às vezes,
os batimentos do meu coração se aceleram; por vezes, minhas pupilas se abrem
mais sob a escuridão de uma passagem, ou se fecham, sob a luz de outras. Os músculos
se retesam sob o ataque do suspense bem construído ou se relaxa, quando, findo
todo o conflito e após a descarga do clímax, vem a paz dos grandes finais. Ler é
um ato sensual e potencialmente libertador.
No tocante à leitura, vivo uma
fase de profunda realização: só leio o que desejo ler. Ninguém me força,
nenhuma encomenda – nada. E, aos poucos, vou inclusive desconstruindo certas
bobagens que me ensinaram. Não sou obrigado a gostar previamente de nada. Se leio
algum clássico, é porque ele me interessa; se leio algum best-seller sem
grandes pretensões, e daí? Sou livre para ler o que me liberta.
Experiências novas, textos novos,
leio quadrinhos, graphic novels, livros tolinhos e sabichões. Nesse mix maluco
e atual, a única coisa que busco, de modo muitas vezes inconsciente, é entender
o Ser Humano em seu Mundo. Entender-me como Ser Humano em meu Mundo. E, ao
escrever estas duas últimas frases, minhas associações mentais me esclarecem:
elas nada mais são que uma espécie de perífrase do “amar o próximo como a ti
mesmo”. E, em assim sendo, atestam a força dos substratos religiosos.
Pergunta que me fica, andando à
volta da minha mente, será esta busca tão sôfrega por ler livros, produzidos
por tantas culturas diferentes, uma forma de amar o próximo?
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